QUERO PINTAR

Série Cadinho de Prosa dos Folhetos Cadinho RoCo

QUERO PINTAR

     De acordo com o acordar dia atarefado pela frente. A sensação do dinheiro no bolso traz alívio e sentimento de realização. É que houve venda dos painéis que pintei e isso me leva a pintar mais.

     Observo o que há de escondido nas imagens, traços distraídos por outros. Formas paridas de outras formas numa clara demonstração de que há nascimento em tudo.

     Do olhar ao imaginar colho do pomar dos sonhos riscos e rabiscos resultados no quadro nascido da tela que está lá, virgem e pura à minha espera.

     Hoje quero pintar.

Belo Horizonte, 06 agosto 2013

FURO

     Um furo minúsculo, imperceptível. Do armário a camisa limpa, pronta para ser usada. Tento lembrar última vez que usei-a. Não lembro e esqueço de insistir na idéia que também não tem qualquer consistência. Só depois, muito depois é que percebo haver algo estranho.

     Uma fagulha de cigarro de palha. Um fiapo da palha em brasa que soltou em leve vôo a buscar pouso qualquer. Já quase apagada, a brasa percebeu vida no pano da camisa.

     Enquanto tudo acontece, somos possuídos pela distração que escapa da atenção dedicada a outro suceder. A camisa esquecida no corpo é parte da nossa presença, depois esquecida. Quando foi a última vez que usei esta camisa?

     O furo mínimo ilustra enorme buraco na lembrança. Quando foi que aconteceu isto?

Belo Horizonte, 27 agosto 2001